Demitir

O pior momento da minha vida foi quando precisei demitir um time que liderava por conta de uma decisão entre os investidores e os sócios da empresa onde eu trabalhava.

Eu amava e ainda amo aquelas pessoas. Trabalhar com elas foi a experiência profissional mais alegre e vibrante da minha vida.

Até hoje me dói não ter encontrado uma forma melhor de resolver aquela situação. E é sobre isso que quero escrever aqui. Sobre uma situação de 5 anos atrás que ainda me afeta.

Espero que minhas pequenas anotações ajudem alguém e de alguma forma me ajudem a deixar esse assunto no passado.

Não assumir uma demissão que não é sua.

Na prática eu estava sendo demitido junto também. Era o fim do projeto. Eu sairia alguns meses depois, precisava ficar para ajudar na transição (precisava o caramba, vou falar disso mais abaixo).

E a decisão não era minha. O time era incrível, entregávamos bem de verdade e por mim eu trabalharia com eles e elas por décadas. A parceria que gerava recurso para o projeto tinha se encerrado por decisões e acordos acima de mim.
Nada mau, nada feio, decisões de negócios dos outros.

Eu não tinha que dar notícia de demissão para ninguém. Mas estava lá. De alguma forma eu achava que sendo o líder do time naquele momento era “honroso” ou “correto” ser eu junto dos donos da empresa a dar a notícia.

Foi horrível. O peso veio pra mim. Assumir essa posição fazia parecer que eu tinha alguma parte naquilo, que de alguma forma eu tinha alguma posição superior naquela decisão, e não tinha.

Senti que minha relação com aquelas pessoas se prejudicou pra sempre. A notícia de uma demissão, independente do mercado aquecido ou não é sempre ruim. As pessoas se dedicaram, confiaram, deram tudo de si, e as coisas acabam assim de repente?

Não era minha responsabilidade a decisão.

Meu aprendizado aqui foi muito claro. Se a decisão não é minha, se eu não sou dono de nada, eu sou só mais um com os demais. Eu sentiria a dor de qualquer forma, mas como um igual, como sempre me considerei e era de fato, juridicamente e tudo. E essa ideia de “honra” ou “correto” é irrelevante nesse momento.

É como um irmão mais velho querer dar uma dura na irmã mais nova. Irmão é irmão, irmão sofre junto, passa perrengue junto, comemora junto. Quem dá dura em irmão é pai e mão.

E irmão aqui é no sentido do afeto que eu tinha, mas principalmente de igualdade jurídica. Eu era um funcionário mais antigo, e só.

Dar a notícia sem tentar dar consolo.

Outra merda do processo era a ideia de que escolhendo as palavras adequadas eu seria capaz de aliviar o problema.

Não existe aliviar. Existe o buscar dar a MELHOR segurança financeira possível para as pessoas (mas isso também não era decisão minha), e simplesmente comunicar. Explicar os motivos é importante, mas o mínimo. Qualquer tentativa de ir além disso soa piegas e superior.

Quem dá apoio com as palavras são os amigos, irmãos, pessoas vivendo a mesma situação, terapeutas, família. Quem dá a notícia da demissão só deve fazer isso com respeito, cuidado e fazendo o melhor possível pra não piorar algo já desagradável.

Aceitar logo a possibilidade e comunicar.

Naquele momento eu demorei para aceitar que a desmontagem do time iria acontecer.

Tentei por um bom tempo com o patrocinador do projeto manter a equipe e o projeto para o ano seguinte.

De alguma forma minha inocência (25/26 anos na época) me impediu de ver que as decisões estavam tomadas.

Não lembro ao certo se fui claro com o time sobre o risco que se avizinhava. Sinceramente, acho que eu nem enxergava direito.

Hoje está claro pra mim que diante de um cenário de possível ruptura, a última coisa positiva será deixar a ruptura ser uma surpresa para os outros.

Existe um trauma. Ele precisa ser tratado.

Embora trabalho seja um espaço onde exista essa realidade de demitir e contratar, eu credito que isso deve ser tratado com profundidade e reverência, eu não acho que deva ser tratada da mesma forma como ligamos e desligamos máquinas na Amazon.

É muito claro pra mim que cometi um erro muito grande em não procurar a terapia depois desse processo.

A empresa não tinha a sensibilidade de ter uma psicóloga ou um psicólogo para acompanhar os desafios de gerir pessoas.

Levei anos para compreender como assumir uma posição que não é minha causa dor e confusão no sistema e no indivíduo.

Teria sido muito mais coerente viver a dor de um irmão que também estava sendo demitido. E também nesse caso a terapia teria valor.

Acabei ficando com dois traumas pesados para superar, o do fim de um projeto ao qual dediquei plenamente minha energia por 4 anos e o trauma de ter gerado esse rompimento com um conjunto de pessoas por quem eu tinha muito afeto, respeito e admiração.

Fiquei com trauma duplo que levei muitos anos para processar.

Seguem os dois aprendizados mais sintéticos dessa experiência e meus desejos que se você precisar passar por algo parecido, que você tenha melhor apoio do que eu tive.

1. Projetos terminam e colocar minha energia em algo que não sou dono tem limites que precisam ser mais bem protegidos.

2. E demissões acontecem, mas não devo assumir uma demissão cuja decisão não foi minha, em hipótese alguma. Quem decidiu que assuma a responsa pelas escolhas que fez.

Você aí, começando a carreira, fazer terapia ajuda um bocado.!