Início de Carreira em Programação

Quanto tempo leva para alguém estar apto ao primeiro emprego em programação? Poucos meses ou vários anos?

Resposta curta: alguns anos.

Software é mais parecido com Engenharia

Ninguém espera que um engenheiro, médico ou advogado se forma em um curso livre de algumas horas. Muito menos contrataria um profissional atuante no mercado há meses.

Software, software com bom nível de segurança, software rodando em produção com vários clientes, software com dados sensíveis, software com interfaces gráficas complexas, softwares que exigem processamento cuidadoso de dados são todos softwares que exigem um nível de profissionalismo só alcançamento com muitas centenas de dedicação.

Software é mais parecido com Aprender uma Língua

Levam alguns anos de contato e estudo de uma língua para se ter fluência nela.

Quanto mais o ambiente em que você vive for letrado na língua que se deseja aprender, melhor. Isso vale até para o português.

Aprender a programar depende muito do ambiente em que você está ser um ambiente em que você tenha contato com softwares, código, etc e de você praticar a programação com frequência.

O Mercado Freelancer

É possível começar a ganhar dinheiro com software sem faculdade? Sim, claro que é. Mas são tipos de software e contextos mais específicos. Tem muita gente que consegue rapidamente uma certa grana com sites em WordPress, sites em html mesmo, pequenos sistemas para fins bem isolados. Claro que é possível

A questão é que os contextos que podem gerar dinheiro em software exigindo menos conhecimentos são contextos geralmente de trabalho freelancer onde você precisa ter um pouco de sorte de ter parentes com uma demanda que você vai dar conta, tempo para estudar e um ambiente onde segurança, escala e o trabalho com outras pessoas seja muito reduzido.

O ponto é que mesmo nestes contextos de trabalhos freelancer, a quantidade de conhecimento exigida ainda é muito grande. Então, por mais que seja possível começar a atuar na área em poucos meses, precisam ser meses de muita, muita dedicação.

São muitas horas de estudo, talvez 200, para que seja possível começar a fazer algo mais comercial.

Ninguém fala da base educacional e familiar

As pessoas que conseguem aprender muito rapidamente a programar (meses) provavelmente tiveram uma situação educacional muito favorável. Escola de inglês, acesso à computadores, bons teclados, celulares.

Quanto melhor o ambiente educacional, maior o potencial de se guiar sozinho pelo mar de informações da internet e ter ambiente para estudar e trabalhar.

O próprio ambiente, cadeira, mesa, silêncio. Tudo isso conta.

Faculdade ainda é importante

A faculdade é um caminho, que embora as vezes seja lento, vai te dando condições de avançar.

É muito mais fácil pegar um primeiro estágio estando em uma faculdade. É muito mais fácil montar uma rede de pessoas com interesses em comum com as quais você vai aprender, tirar dúvidas e colaborar.

Se for presencial, melhor ainda. Se tiver laboratório de informática, melhor ainda.

A faculdade oferece um trilho, lento é verdade, mas é um trilho importante para quem não tem um mar de condições favoráveis.

Se você tem boas condições de estudo prévio, boas condições de ambiente e está com energia, você vai conseguir avançar razoavelmente com cursos livres e sim, em poucos meses vai conseguir fazer um site ou pequenos softwares.

Mas para conseguir lidar com problemas de maior porte você vai precisar de conhecimentos que raros, muito raros são os que se dedicam a aprender por conta própria (álgebra relacional, compiladores, estrutura de dados). Mesmo que não usemos tanto estes conhecimentos no dia a dia eles colocam nosso cérebro em outros níveis de capacidade de abstração.

Programação Pode ser hobbie, mas dificilmente será bico

Não dá pra tratar programação como vender picolés no verão.

Eu já vendi picolés no verão, já fui garçom. Eu tinha 14 e 15 anos. Não é necessário praticamente nada de conhecimento prévio para vender picolés e ser garçom em estabelecimentos de pequeno porte.

Software exige tanto conhecimento prévio que não tem como entrar na lógica de um trabalho temporário para ganhar uma grana.

Já conheci pessoas que tinham “bicos” criando sites em wordpress e Joomla, trabalhando com design gráfico bem básico. Mas nunca vi um programador, alguém que coloca software em produção, levar isso como bico.

E embora seja possível gostar de programar por hobbie, aprender a fazer joguinhos, trabalhar com mix de programação com música ou arte digital, o esforço para se trabalhar com software para a indústria em geral é muito grande.

Software é mais parecido com ser músico, do que com tocar violão

Embora seja possível se aproveitar de pequenos níveis de competência em software como apoio em um grande número de áreas do conhecimento, a evolução tecnológica é tão feroz que o caminho não se sustenta quando se pensa em ser programador como se fosse similar a aprender violão.

Dominar desenvolvimento de software é comparável a ser um músico profissional, não aprender violão.

Podemos aprender a tocar violão para sentir se a música nos toma como um caminho de carreira e de vida, mas ninguém vai conseguir sustentar sua vida se não for muito mais além.

E ser músico profissional vai muito além do instrumento

Precisamos pensar em carreira de programador como medicina, engenharia, direito

Vamos olhar para a carreira de programador com a mesma responsabilidade de quem olha para carreiras mais tradicionais?

Sinto falta deste profissionalismo na minha área.

A ideia de que é possível se tornar um programador em seis meses é falsa. No geral, com seis meses de esforço você se torna um aprendiz, um estagiário, nem como júnior pode ser contratado.

Exatamente como se pensa nas carreiras tradicionais.

Acredito que estamos vendendo uma ilusão para as gerações que estão agora buscando sua carreira, a ilusão de que dá para ser programador sem estes anos de estudo.

É ilusão.

Mesmo com o mercado extremamente aquecido, ainda é muito difícil conseguir o primeiro emprego em tecnologia, e sempre, sempre será.

Será difícil porque desenvolver software que outros estão dispostos a pagar por ele é muito difícil.

Não pense que será fácil, e se ainda assim quiser seguir nesta área, venha com tudo

Conversando com outros programadores identifiquei que parece sempre existir um ponto no passado, um momento único, irrepetível, que ele ou ela lembra com detalhes.

O primeiro momento que fez um código interessante funcionar.

É um sentimento tão especial, que a partir dali a pessoa sente que quer ser programador ou programadora.

Então assim, tente, experimente. Depois de algumas semanas ou meses de esforço, se nada acontecer, se você só se sente mal ou frustrado, talvez teu caminho seja outro.

Mas se você sentir essa força, essa conexão e perceber que pode fazer isso por 30, 40 horas por semana. Então vem sem medo que é uma área de trabalho forte e acolhedora para quem não tem problema em sentar a bunda na cadeira e tentar e tentar e tentar.

Um pouco da minha história

Meu pai me deu um computador muito velho com Windows 95 quando eu tinha poucos anos.

Eu adorava aquilo. Era tão ruim que nem jogos daqueles CDs de jogos de banca de revista rodavam nele. Mas eu adorava. Adorava o Word, o Paint. Adorava tudo.

Em algum momento com 14 e 15 anos vendi picolé e fui garçom. Consegui grana para comprar um computador novo (metade dele, minha mãe pagou a outra metade). Nada demais, mas já tinha o FrontPage.

No ensino médio fiz um site para um trabalho da escola. Tinha duas versões do site, uma 800×600 e outra 1024×732. Era um trabalho de Geografia. Deu certo. Enxerguei alí que eu tinha algo diferente.

Na faculdade, para ser honesto, eu pensava em fazer psicologia ou matemática. Mas eu também queria grana e sabia que me dava bem na área, fui para Sistemas de Informação.

Não começou bem. Faculdade é muito hostil. Mas o que me salvou, curiosamente, foi um livro de Applets em Java que achei na biblioteca. O ano era 2006 e ninguém usava mais applets em Java para websites. Mas naquele livro eu encontrei o meu momento.

O livro ensinava a desenhar linhas, usar cores, fazer quadrados.

Foi incrível. Fiz um loop for, usei alguma coisa de seno e coseno e consegui fazer uma espécie de sol. Eram linhas desenhadas que se irradiavam do centro da applet para as laterais.

Fiz todo tipo de desenho com linhas e loops. Aquela tarde ficou na minha mente. Daquele dia em diante eu sabia que queria ser programador.

Levei muitos anos para ser proficiente em software. Para ser capaz de enfrentar um software legado, colocar uma aplicação no ar sozinho, depurar um bug em produção. Anos, não meses.

Foram anos, embora meu primeiro freela pago tenha sido logo no primeiro ano de faculdade para um tia. Um sistema de classificados online. Deu certo até, tínhamos inclusive bom ranqueamento no google. Me fez sentir que a carreira seria promissora.

Mas veja, embora esta entrega tenha sido meados de outubro e eu tivesse entrado na faculdade em março, eu já tinha uma trajetória de entender html, css e javascript que vinha do ensino médio. Tinha passado dezenas de horas no site do majour, lido livros inteiros de javascript. E além de tudo isso, na faculdade eu fiz grandes amigos. E este projeto foi feito com um amigo que sempre foi melhor programador do que eu.

Embora eu tenha ganho meu primeiro dinheiro meses após entrar na faculdade, a faculdade foi fundamental para que minha tia tivesse confiança em mim, para eu que encontrasse aquele amigo e para que eu aprendesse orientação a objetos, que era um assunto, muito, muito difícil e sem o qual não dá para ir muito longe nas linguagens comerciais hoje em dia.

Conclusão

Não pense na carreira de desenvolvimento de software como algo de curto prazo. É uma escolha de médio e longo prazo.

Você quer participar de projetos que vão impactar muitas pessoas, envolver-se com dispositivos tecnológicos, servidores, problemas complexos, a área é maravilhosa para você.

Mas é tão difícil como medicina, engenharia ou direito e leva anos para ter de fato potência na área.

Talvez a única diferença para as carreiras mais tradicionais, é que com menos de um ano você já consegue ganhar algum dinheiro, já consegue em dois ou três se sustentar, a progressão é mais linear e começa mais cedo. Mas para alcançar salários de 5 dígitos, vai ser importante 6, 8, 10 horas por dia sentado à frente de uma ou mais máquinas.